sábado, 15 de dezembro de 2012

Prece do Natal de Ruy Barbosa- 1898

Tenho guardada comigo, há muito tempo, uma cópia desta prece. Publiquei um pequeno trecho dela no Facebook, mas não resisti e vou transcrevê-la inteira para quem se interessar em lê-la na íntegra.
É muito profunda e inspiradora! Vale a pena "ganhar" alguns minutos lendo-a.

Prece do Natal
Mistério Divino, em cujo seio, há mil e novecentos anos, se desenvolve a civilização humana, perdoa aos que, deste lugar de fraquezas e de paixões, ousam esflorar com o pensamento a tua pureza. Os moldes da única eloquência capaz de te não profanar quebraram-se com a última inspiração dos teus livros sagrados. Desde então, de cada vez que o homem se desengana do homem, e a alma precisa do ideal eterno, na melancolia das épocas agitadas e tenebrosas, diante da injustiça ou da dúvida, da opressão ou da miséria, é no cristal das tuas fontes que se vai saciar a nossa sede. Deixaste-as abertas na rocha da tua verdade e, há dezenove séculos, que borbotoam com o mesmo frescor das primeiras lágrimas daquela cuja maternidade virginal desabotoa hoje na flor da redenção cristã.
Tamanha é a sua grandeza, que excede todas as do universo e da razão: o espaço, o tempo, o infinito, acima dos quais a cruz da tua tragédia espantosa parece maior que os vôos da metafísica, as imensidades do cálculo, das hipóteses, do sonho. Daí a palavra e a imaginação recuam assombradas, balbuciando. A criatura sente o teu amor, mas tremendo. Vê-se alvorecer a eternidade na magnificência de um abismo que se rasga no céu; mas nas tuas arestas alguma coisa há de sombra e ameaça. De onde, porém, tu penetras no coração de todos com a doçura de uma carícia universal, é daquele presépio, onde a tua bondade nos amanheceu, um dia, no sorriso de uma criança.
Enquanto César cuidava do Império e Roma do mundo, assomavas tu ao canto de uma província e, na vileza de um estábulo, sem que Roma, nem César, nem o império te percebessem, para ficar à posteridade a lição indelével de que a política ignora sempre os seus mais formidáveis interesses. Tiveste por berço as palhas de um curral. A última das mães sentir-se-ia humilhada se houvesse de reclinar o fruto de seu regaço no sítio abjeto onde recebeste os primeiros carinhos da tua. Mas a manjedoura, onde soabriste os olhos à primeira luz, recende, até hoje, o perfume da mais esquisita poesia, e o dia do teu natal fez-se para a cristandade o mais formoso dia da terra, o dia azulado e cor de rosa entre todos, como o céu da manhã e o rosto das crianças.
Elas, de geração em geração, ficaram sabendo, para todo o sempre, a história do teu nascimento. E, nessas festas do seu contentamento e da sua inocência, tens, ó Deus dos mansos e dos fracos dos humildes e dos pequeninos, a parte mais límpida do teu culto, o raio mais meigo da tua influência benfazeja. Esses ritos infantis estrelam de alegria as neves polares, orvalham de suave humildade os fulgores tropicais, estendem o firmamento debaixo de nossos tetos e, dentro do nosso espírito mortificado, inquieto, triste, põem uma hora de alvorada feliz.
Cristo! Como te sentimos bom, quando te vemos entre as crianças e quando as crianças te encontram entre si! Despindo a tua majestade toda, para caberes num seio de mulher e no tamanho de um pequenito, assentaste sobre as almas um império sutil e irresistível, por onde a espontaneidade da nossa adoração continuamente se renova e embalsama nas origens da vida.
Todos aqueles pais, irmãos ou benfeitores, a quem concedeste a benção de amar um menino e o têm nos braços, ou o perderam, vêem nele a tua imagem, a cópia, idealizada pela fé e pelo amor, do eterno tipo do belo. Divinizando a infância, nascendo e florescendo com ela, deixaste à espécie humana a reminiscência mais amável e celeste da tua misericórdia para conosco.
De cada casa, onde permitiste que gorjeie e pipile esta manhã um desses ninhos tecidos pela providência das mães no meio das nossas agonias, se estão exalando para ti as súplicas e os hinos do nosso alvoroço. Por essas criaturinhas, Senhor, é que o nosso espírito se peja de cuidados e a nossa previsão, agora mesmo, enoiteceria de agouros funestos, se te não víssemos de permeio entre elas e o futuro carregado e temeroso.
Deus benigno e piedoso, que em cada uma delas nos deixaste a miniatura da tua face desnublada, poupa-as à expiação das nossas culpas. Multiplica os nossos sofrimentos em desconto dos seus. Doura-lhes o porvir do teu riso compassivo. Cura nossa Pátria da aridez da alma, que a mata, semeando a tua semente nesta geração que desponta. Permite, enfim, que nossos filhos possam celebrar com os seus, em dias mais ditosos, a alegria do teu Natal.

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